Reflexões sobre políticas públicas de leitura, na Colômbia

Luz Estela com articuladores da Releitura PE na Biblioteca Amigos da Leitura - Foto: Diógenes Bandeira

Luz Estela com articuladores da Releitura PE na Biblioteca Amigos da Leitura – Foto: Diógenes Bandeira/Amigos da Leitura

Na Biblioteca Popular do Coque, Com Betânea (frente) Elisa, Cida Fernandez e Isamar Martins (Cepoma) - Foto: Manoel Herrera

Na Biblioteca Popular do Coque, Com Betânea (frente) Elisa, Cida Fernandez e Isamar Martins (Cepoma) – Foto: Manoel Herrera/BP Coque

/BMN

Conexão Nascedouro reuniu, também, professores e lideranças comunitárias de Peixinhos, além de membros da Releitura PE – Fotos: Antônio Sérgio

O que as bibliotecas comunitárias que integram a Releitura PE têm em comum com a experiência colombiana de promoção da leitura e às bibliotecas, sobretudo, em Medellín? A paixão, o amor, a dedicação e o compromisso com o trabalho para democratizar o acesso à cultura escrita. O que há de diferente? Fundamentalmente, a total ausência do poder público, e não é na Colômbia que isso se dá.

Recuemos um pouco no tempo. Quando Luz Estela Piñera Gallego, que é diretora do Sistema de Bibliotecas Públicas de Medellín, abriu sua palestra na Bienal/II Encontro de Bibliotecas, na noite do dia 08 de outubro, confessou de público o que já respondera ao blogue que lhe fez as mesmas perguntas acima referidas.

Durante mais de uma hora, ela havia trocado ideias com articuladores e mediadores de leitura da Releitura, professores, diretores de escolas públicas, moradores e líderes comunitários de Peixinhos, integrantes de organizações da sociedade civil. Todos reunidos na Biblioteca Multicultural Nascedouro, encravada na fronteira do Recife com Olinda.

“O contato com as bibliotecas comunitárias me tocou muito. Deixou-me profundamente angustiada, eu diria mesmo constrangida. De um lado,  a enorme paixão e o compromisso das pessoas, o que nos identifica. Ao mesmo tempo, a enorme solidão dessas pessoas diante das muitas carências que a presença do Estado poderia suprir. É triste!”, emendou.

A recíproca do impacto no partilhamento das experiências, do confronto das realidades, é verdadeira. No dia anterior, Luz Estela havia “charlado” pela Biblioteca Popular do Coque, na comunidade do mesmo nome, na Ilha de Joana Bezerra, na área central do Recife. Lá, acompanhou uma manhã de trabalho de mediação de leitura com as crianças, viu a realidade e as condições estruturais do local, ouviu sobre os desafios, sobretudo, da busca de sustentabilidade, mas também do pertencimento que estimula a resistência. Fotografou tudo. Contou como funciona a política de leitura e para bibliotecas em sua “Macondo”.

Presença x ausência do Estado

O Coque vive um momento singular, “de mão branca”, na definição de Betânia Andrade, gestora e articuladora da Biblioteca: “A comunidade está sob ameaça de expulsão para lugares sem nenhuma apropriação nem pertencimento. E a Biblioteca trabalha a reafirmação da comunidade a reconstrução desse pertencimento. Mas,  se na Colômbia há um conjunto de coisas que favorecem o desenvolvimento do trabalho, uma articulação entre as bibliotecas, o público e o privado, todos juntos, aqui falta o poder público”, observa.

Certamente, o poder público brasileiro discordaria da assertiva. Questionamos Elisa Machado, coordenadora do nosso Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, a respeito. Convidada do II Encontro de Bibliotecas Públicas, ela discorda que falte apoio, e cita o Plano Nacional do Livro e da leitura, por exemplo, como prova disso. Admite, porém, que “o apoio ainda é muito incipiente”. A seu ver, é preciso partir de outra concepção, que tenha como centro a participação da sociedade civil na definição de suas necessidades: ” Não se pode passar para o cidadão uma obrigação que é do Estado”, sintetiza.

Democracia participativa

Na tarde do mesmo dia 07, Luz Estela esteve na Biblioteca Amigos da Leitura, no Alto José Bonifácio, na região de Casa Amarela, na Zona Norte do Recife. Lá a conversa foi mais política, onde falou sobre a experiência de Medellín para representantes das 10 bibliotecas comunitárias que integram a Releitura PE. E mais outro membros da Comissão Intersetorial em Defesa da Biblioteca, do Livro e da Leitura, bibliotecários e estudantes de Biblioteconomia. Foi mais uma explanação, com mostra de fotos, seguida por perguntas.

Rodrigo Fischer, articulador da Biblioteca Peró, em Piedade/Jaboatão dos Guararapes, e do GT de Formação da Releitura, resume:

“Dos pontos expostos por Luz, destaco alguns que acho mais pertinentes: 1) O fato de a biblioteca comunitária, e mesmo projetos maiores, como bibliotecas parques, surgirem da necessidade de comunidades articuladas e representadas por lideranças fortalecidas; 2) O fato de que a biblioteca não acabou com a violência nos locais em que foi instalada, mas contribui com outras ações para diminuir a criminalidade nessas comunidades;  3)  O fato de que, no caso de Medellín, não é preciso plano municipal (estadual, etc.) para bibliotecas, livro ou leitura com orçamento exclusivo, etc, como no Brasil. As verbas fazem parte dos planos orçamentos de governo dos candidatos a vagas públicas. E estes planos e seus autores, vereadores, prefeitos, governadores são monitorados pela população, que possui o controle político-social. Além disso, as bibliotecas comunitárias se articulam com as bibliotecas parques”.

Em todas as conversas com Luz Estela, assim como nas palestras, ficou claro um detalhe que também faz toda a diferença, e que é apontado por Rodrigo e Betânia: o orçamento para as comunitárias não é “doado” pelo poder público, “porque não é interessante que estas bibliotecas fiquem subjugadas a poder público de qualquer natureza”, segundo a diretora. Os planos orçamentários das bibliotecas comunitárias são elaborados por elas, a partir de recursos advindos de orçamento participativo, gerenciados pelas próprias comunidades e outras instâncias.

A conexão Medellín-Recife/Olinda/Pernambuco resultou em “diálogo fecundo”, na observação de Daniel Pereira, articulador da Biblioteca Multicultural Nascedouro.  “Teve como centro aglutinador as experiências geradas e os desafios na luta pela garantia do direito de ler, posto que numa sociedade como a nossa, o acesso e a produção da informação se tornaram condições para o exercício do poder econômico e político”, observa.

Ficou claro, também, que a sociedade colombiana enfrentou desafios para formular e efetivar a política pública da biblioteca, do livro e da leitura. Na correlação de forças, venceu a cidadania.

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PS: Estamos em dívida com vocês que nos honram com o acesso ao blogue. Semana passada, nos foi impossível renovar a postagem, e pedimos desculpas pela ausência. Gostaríamos de garantir que não voltará a acontecer, mas bem sabemos que nem sempre temos controle sobre o tempo e o que acontece ao nosso redor. Nos esforçaremos, entretanto, para que atualização se mantenha, no mínimo, semanal.

II Encontro de Bibliotecas Públicas PE começa hoje

cartaz encontro

É nesta terça a abertura do II Encontro de Bibliotecas Públicas em Pernambuco, que vai reunir profissionais que atuam em bibliotecas públicas nos segmentos escolar, estadual, municipal e comunitário pernambucanos. O objetivo é integrar e refletir sobre o sistema público de bibliotecas – governamentais e não-governamentais. Através da troca de experiências e de atividades de formação, construir propostas para o desenvolvimento de bibliotecas de qualidade no Estado de Pernambuco.

No sábado, Rodrigo Fischer e Isamar Martins em ação no estande da Releitura PE na Bienal - Fotos: Sandro Elói/Educ Guri

No sábado, Rodrigo Fischer e Isamar Martins em ação no estande da Releitura PE na Bienal – Fotos: Sandro Elói/Educ Guri

IX Bienal (9)Trazemos convidados do Brasil e da Colômbia para compartilhar suas experiências em prol das bibliotecas de qualidade e da leitura como direito de cidadania. A abertura é às 17:00 horas, no Auditório Ribeira, do Centro de Convenções, inserida no Círculo de Ideias da IX Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. Paralelamente, a Releitura continua fazendo mediações de leitura em seu estande na Bienal: é o de número 180, na Rua 08.

Silvia Castrillón, bibliotecária e escritora colombiana, com papel decisivo no setor em seu país, e Luz Estela, diretora do Sistema de Bibliotecas de Medellín fazem a palestra inaugural. Falam sobre Identidade e Pertencimento – a experiência colombiana. Cida Fernandez, do Centro Luiz Freire e consultora do Instituto C&A, também bibliotecária, faz a mediação. Pela manhã, Castrillón e Luz Estela visitam a Biblioteca Multicultura Nascedouro, em Peixinhos.

Na manhã do último dia, o Encontro apresenta os resultados do mapeamento de bibliotecas no estado, iniciado na primeira edição, e que teve sequência em seminários locais de leitura, promovidos pela Coordenadoria de Literatura da Secult PE. Há, ainda, oficinas para a construção dos planos municipais do Livro e da Leitura.

A partir da quarta-feira, 09, o II Encontro migra para o Auditório Beberibe, com a parte da manhã reservada ao credenciamento, permeado por mediação de leituras. Às 14:00 horas acontece a abertura cultural, com o grupo Grão de Histórias. Na sequência, o início dos trabalhos, com mesa de abertura seguida de painel sobre O Papel das Redes de Bibliotecas para um Projeto de Desenvolvimento Sustentável. Elisa Machado, coordenadora-Geral do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e representante do Instituto C&A, parceira da Releitura, é uma das convidadas, dentre outros.

Sílvia Castrillón e Luz Estela voltam para o painel que encerra o dia, a partir das 16:00 horas, com o tema O Desafio das Redes de Bibliotecas na Construção de Políticas Públicas.  A programação completa está aqui.

O II Encontro de Bibliotecas Públicas em Pernambuco é uma iniciativa da Comissão Intersetorial em Defesa da Biblioteca, do Livro e da Leitura, da qual a Releitura – Bibliotecas Comunitárias em Rede da Região Metropolitana do Recife é parte, do Centro de Cultura Luiz Freire e das ONGs Bagulhadores do Mió e Ekó Educação e Cultura, dentre outras entidades da sociedade civil pernambucana.

O poder público também está presente, através da Coordenadoria de Literatura da Secult/Fundarpe e da Representação do Minc no estado. Conta com o apoio da Bienal de Pernambuco e do Instituto C&A, via Programa Prazer em Ler, e patrocínio da Prefeitura Municipal de Ipojuca.