Cultura escrita e o sentido que se quer da vida

Bate-papo com Sílvia Castrillón, de branco, e Luz Estela, mediado por Ana Escurra da ONG Bagulhadores do Mió - Fotos: SE

Bate-papo com Sílvia Castrillón, de branco, e Luz Estela, mediado por Ana Escurra da ONG Bagulhadores do Mió – Fotos: SE

Vamos começar pelo fim e pela sinopse da ópera de uma noite e dois dias de “intensa troca de experiências, de interação individual e coletiva, de aprendizado”. Talvez seja esta a síntese do II Encontro de Bibliotecas Públicas em Pernambuco , encerrado no final da tarde desta quinta-feira, abrigado no ventre da IX Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, que segue até domingo no Centro de Convenções Recife/Olinda – aqui no blogue.

Pelo menos para nós, da Releitura PE, interpretados por Rodrigo Fischer, do GT de Formação da Nossa Rede e articulador da Biblioteca Peró. Para ele, A Releitura sai fortalecida do II Encontro, na medida que ampliou a conexão com outras bibliotecas e outras experiências daqui e d’alhures. “É uma vitória da Releitura e do coletivo, também, ocupar com reflexão sobre políticas para bibliotecas e para leitura um espaço pensado para ser comercial”, observa.

O segundo e último dia do Encontro foi de resgate do que se propôs o primeiro encontro, esclarecimentos das nebulosidades que ficaram pelo caminho, balanço dos resultados do último ano, reflexões em grupo e exercícios de planejamento futuro. O primeiro dia foi de escuta de, e de debates entre, quem tem algo a dizer sobre o que, e como, se faz para promover o acesso à cultura escrita, à leitura literária, à biblioteca como fonte de identidade de si e de um povo – daqui, do Brasil e da Colômbia.

Se o primeiro encontro dedicou-se “a nos enxergar, identificar, este deu um passo à frente e busca ouvir, trazer experiências”, lembra Cida Fernandez, do Centro de Cultura Luiz Freire e da Comissão Intersetorial em Defesa da Biblioteca, do Livro e da Leitura, que mediou a apresentação do II Encontro para a IX Bienal do Livro.

A noite de abertura estabeleceu a provocação e a perplexidade entre duas visões, aparentemente díspares, mas complementares, que acabam por fixar o nexo do pertencimento, Divergir, pontual ou conceitualmente, é dialogar com as diferenças para evoluir.  Mostrou-nos, e nos confirmou no fechamento do primeiro dia de debates, nossas convidadas da Colômbia: Sílvia Castrillón, de Bogotá; Luz Estela de Piña Gallego, de Medellin.

O diferencial inovador da Colômbia  na comparação com o que temos e construímos até agora, no trato com cultura escrita está, especialmente, na capital Bogotá, em Medellin e Cali. Sobretudo as duas primeiras, onde as políticas públicas para bibliotecas e leitura foram construídas a partir das demandas da sociedade, num processo que inciou-se há mais de 30 anos, mas que se corporificou, no caso de Medellin, a partir dos anos 2000.

São consideradas exemplos para América Latina e, até, para o mundo. Há controvérsias, entretanto: “Não poupam investimentos em prédios e tecnologias, Mas me pergunto que lugar o contato com o livro como lugar de contato para pensar a si mesmo há nesses espaços. O lugar que ocupa a leitura nas bibliotecas parques me preocupa”, dispara a pensadora Silvia Castrillón.

Tanto na palestra inicial, como no diálogo que fechou o dia seguinte, ela deixa clara sua postura crítica quanto ao que considera privilégio dos equipamentos . Para ela, as TIs – Tecnologias da Informação e o excesso de jogos interativos dão à biblioteca o caráter funcionalista ou de lugar de entretenimento, e se contrapõem ou sobrepõem “ao sentido da leitura literária  na construção da identidade e  do pensamento como agente transformador das nossas vidas e da sociedade. Biblioteca associada a parque fala muito bem da dificuldade que temos de nos relacionarmos com a leitura”, emenda.

Luz Estela, por seu lado, defende o Sistema de Bibliotecas de Medellin como um “laboratório social que leva as pessoas a formular perguntas e à construir suas próprias respostas, um espaço de construção da cidadania, um lugar de e para o público”. Oferecer serviços de qualidade, a partir da interação entre poder público, privado e comunidade, é a meta do sistema que hoje reúne 18 bibliotecas, das quais nove bibliotecas parques, cinco de porte médio e quatro pequenas, mais três centros de documentação em áreas distintas – meio ambiente, planejamento e memória para solução de conflitos. A  rede metropolitana de bibliotecas integra 54 unidades em mais 10 municípios.

Até o ano 2000, eram oito as bibliotecas de Medellin. “Espaços muito precários, com acervo desatualizado, baixo investimento e baixos salários. Elaboramos um plano mestre de bibliotecas, a partir das perguntas básicas: o que queremos e para quem?”, explica Estela. Para ela, “se podemos ler a cidade como se pode ler um livro, em Medellin as bibliotecas são parte fundamental do capítulo do encontro com a cidadania”.

Eis a diferença fundamental: o processo de criação das políticas públicas de leitura partem do povo, da sociedade organizada, para o poder público.  Note-se que em Medellin, 5% dos recursos do orçamento participativo se destinam ao financiamento das bibliotecas comunitárias. E a Secretaria de Educação do Município mantém uma Subsecretaria para a Leitura.

Outro ponto é o investimento na formação política e social de professores de Biblioteconomia. E há uma biblioteca pública em todo município, ainda que não signifique que todas funcionem como deveria. Há 1.196 bibliotecas na Colômbia, 10% delas estão em Bogotá e Medellin.  “Cali também tem um bom movimento de bibliotecas, mas o resto do país não”, afirma Silvia Castrillón.

De qualquer forma, em Bogotá, Medellin e Cali, a política pública de biblioteca e de leitura não se aplica como solução de segurança pública, afirmam Castrillón e Estela em resposta à pergunta do secretário Murilo Cavalcanti, que projeta para o Recife a experiência de Medellin:  “Não é papel da biblioteca eliminar situações de conflito, de violência, mas dar acesso ao direito à cultura escrita, a melhores condições de vida, à cidadania, enfim. Temos estudos, sim, que nos mostram que a comunidade reconhece o projeto e dele se apropria”, afiança Luz Estela.

Silvia Castrillón, no encerramento da conversa na quarta-feira, brincou com a “proximidade” de Recife e Medellin e voltou à questão: “A leitura não si basta a si mesma nem resolve todos os problemas, mas nos faz refletir sobre o sentido que se quer da vida. A violência se origina da desigualdade, na pobreza, na exclusão  e a biblioteca não pode responder por esses problemas”.

Paramos por aqui, por ora. Mas não nos esqueçamos das bibliotecas comunitárias, assunto para nossa próxima postagem. E tem muito mais, fique ligados.

A Comissão Intersetorial, organizadora do II Encontro e três das convidadas: além de Castrillón e Luz Estela, Elisa Machado, do Sistema Nacional de Bibliotecas - a quarta de pé, no sentido anti-horário

A Comissão Intersetorial, organizadora do II Encontro e três das convidadas: além de Castrillón e Luz Estela, Elisa Machado, do Sistema Nacional de Bibliotecas – a quarta de pé, no sentido anti-horário